O julgamento do alcance da decisão que retirou o ICMS (principal imposto estadual) da base de cálculo do PIS/Cofins já movimenta um mercado bilionário de créditos tributários no país.

 

Apesar de a corte não ter analisado recurso da União que tenta invalidar esses créditos, contribuintes têm obtido vitórias em instâncias inferiores para obtê-los.

 

Já há casos de utilização desses créditos para reduzir o pagamento de tributos.

 

Empresas também os transformam em precatórios federais, títulos que podem ser vendidos a terceiros.

 

Esperando lucros de mais de 50%, fundos e instituições financeiras até compram esses títulos, sem nem ter certeza se ao fim eles existirão.

 

A decisão original do Supremo é de 2017, e desde então juízes de primeira instância têm dado ganho aos contribuintes que são confirmados nos Tribunais Regionais Federais. Um recurso pediu então a modulação do entendimento.

 

são paulo Programado para abril deste ano, o julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o alcance da decisão que retirou o ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins já movimenta um mercado bilionário de créditos tributários.

 

Apesar de o STF ainda não ter analisado o recurso da União que tenta invalidar todos esses créditos, contribuintes têm obtido em instâncias inferiores decisões favoráveis e transitadas em julgado.

 

A partir dessas decisões, alguns contribuintes já começaram a utilizar os créditos para reduzir o pagamento de tributos por meio de compensação. Há ainda empresas que buscam transformar esses valores em precatórios federais, títulos considerados como “dinheiro na mão” e que podem ser vendidos a terceiros.

 

Mesmo quem ainda não possui o precatório —e, portanto, não tem certeza de que receberá o dinheiro— já recebe oferta de fundos e instituições financeiras, que assumem o risco diante da expectativa de lucros de mais de 50%.

 

Em março de 2017, o STF decidiu que o ICMS não pode ser incluído na base de cálculo do PIS/Cofins, em um caso que teve efeito de repercussão geral, ou seja, vale para todas as instâncias do Judiciário.

 

No mesmo ano, a PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) recorreu ao Supremo para pedir a chamada “modulação” da decisão. Os principais pedidos são para que o entendimento não seja aplicado retroativamente e para que o cálculo do ICMS a ser retirado seja o efetivamente pago, e não o destacado na nota fiscal, o que também ajudaria a reduzir o valor da perda para o governo.

 

Em 2014, o governo estimou impacto acumulado de R$ 250 bilhões, em valores atualizados pela Selic a partir de 2003. Nova estimativa, divulgada em 2019, aponta perda anual de R$ 45,8 bilhões (18 meses de orçamento do Bolsa Família). O valor total dependerá do alcance definido pelo STF.

 

Até hoje o recurso da União não foi analisado. O tema chegou a entrar na pauta do STF de dezembro do ano passado, mas o julgamento foi adiado. Agora, está previsto para 1º de abril deste ano, de acordo com a pauta de julgamentos do 1º semestre de 2020 divulgada pelo Supremo.

 

A advogada Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia, sócia do Candido Martins Advogados, afirma que, mesmo havendo a pendência dos embargos apresentados pela Fazenda Nacional, juízes de primeira instância têm dado ganho de causa aos contribuintes com base na decisão de 2017 do STF. As decisões têm sido confirmadas pela segunda instância, nos TRFs (Tribunais Regionais Federais).

 

O governo já recorreu a esses tribunais com o objetivo de levar os casos para o STF, mas os recursos têm sido negados pelas presidências dos TRFs, que consideram a questão como transitada em julgado (sem possibilidade de recurso em tribunais superiores).

 

“A União vem encontrando óbice para fazer com que os recursos dela alcancem o Supremo. As presidências de tribunais de 2ª instância [TRFs] avaliam que existe precedente sobre a matéria e travam o andamento do processo. Aí acaba havendo o trânsito em julgado”, afirma Chiaradia.

 

Leonel Pittzer, sócio do Fux Advogados, diz que, após o julgamento do Supremo de 2017, os processos que estavam parados voltaram a andar e que a orientação do próprio STF é que a tese seja aplicada a todos os casos analisados em todas as instâncias.

 

“Há uma tendência de crescimento desse mercado de fundos que investem em direitos creditórios, um apetite por esse tipo de produto em um ambiente de juros baixos.”

 

Na maior parte das ações, após o ganho da causa, a empresa pode iniciar um processo administrativo para habilitar o crédito e fazer a compensação com tributos devidos. A legislação não permite transferir o crédito habilitado para compensação com débitos de terceiros.

 

Algumas empresas optam por executar o crédito na esfera judicial (em vez de pedir a compensação), com o objetivo de emitir um precatório, título que pode ser negociado no mercado. Essa é uma opção para antecipar os valores a receber ou para contribuintes que não têm como fazer a compensação, como no caso de empresas extintas.

 

Pittzer, do Fux Advogados, diz que há uma minoria de contribuintes que optaram por ação por meio do rito ordinário, que permite a execução da dívida e a expedição do precatório. A maioria, no entanto, obteve ganho de causa em mandados de segurança. Nesses casos, o usual é optar pela compensação, uma vez que há entraves processuais para executar a dívida, embora algumas empresas sigam por esse caminho.

 

De acordo com Chiaradia, que já acompanhou essas negociações, um precatório federal costuma ter taxa de deságio em torno de 5% a 30%. Na venda de créditos ainda não formalizados no precatório, o deságio pode variar de 70% a 75%, devido à incerteza do recebimento do valor.

 

Em alguns casos, segundo a advogada, os fundos pagam um determinado valor antecipado pelo crédito ainda na fase de execução e condicionam o pagamento de uma segunda parcela à obtenção do precatório. Outra prática é colocar cláusula para pagamento adicional a depender de como o valor do crédito será calculado após a decisão do STF.

 

Chiaradia afirma que há casos em que as empresas obtêm a decisão com trânsito em julgado, mas sem a definição de como será calculado o valor. Em geral, o ICMS pago efetivamente é menor que o destacado na nota fiscal.

 

“Tem de deixar o processo com uma decisão perfeita, que oriente como vai apurar esse crédito, seja administrativo, seja judicial. Tive casos em que a gente conseguiu que a Turma do TRF, depois de dois embargos de declaração, se manifestasse, dizendo que, com base na interpretação do que o Supremo já decidiu, o valor é o da nota fiscal”, afirma a advogada.

 

As negociações desses direitos têm sido assessoradas por escritórios de advocacia, que fazem a análise sobre a existência e qualidade do crédito tributário, e também por empresas de auditoria contábil, que calculam os valores.

 

A KPMG e a EY, por exemplo, possuem entre seus clientes empresas e também fundos que buscam verificar a consistência dos números apresentados pela parte vendedora.

 

Diante da incerteza sobre a forma de cálculo do crédito, a empresa de auditoria faz o levantamento considerando os vários cenários, de acordo com Marcus Vinicius Gonçalves, sócio-líder de Tax da KPMG no Brasil. “Muitas empresas, de forma mais conservadora, têm utilizado o valor efetivamente pago. Mas setores que acumulam muitos créditos, como exportadores, têm optado pelo destacado na nota, pois, pelo valor efetivamente pago, não haveria o que recuperar”, diz Gonçalves.

 

Essa diferença pode chegar a 90% em alguns casos, segundo Jefferson Sanches, sócio de impostos indiretos da EY. Ele afirma que os cálculos consideram o período de cinco anos antes do ingresso com a ação até os dias de hoje.

 

Apesar da grande procura por esses ativos, Sanches diz que o deságio desestimula a venda. “As empresas não têm visto com bons olhos vender com um deságio normalmente muito grande. Ela só vai fazer isso se não tiver um horizonte de utilização desse crédito”, afirma.

 

O advogado Pedro Siqueira Neto, da área tributária do escritório Bichara Advogados, diz que, até o julgamento, o número de decisões favoráveis às empresas deverá crescer ainda mais.

 

Afirma ainda que será muito difícil anular os créditos de quem já possui decisão que transitou em julgado, mesmo que o Supremo restrinja a aplicação da decisão. Para isso, a União teria de ajuizar ações rescisórias, mas o contribuinte teria a seu favor o argumento de que, na época da decisão, a jurisprudência sobre o tema era pacífica.

 

“A maior parte dos nossos casos já transitou. Da outra parte, mais da metade deve transitar ainda no primeiro trimestre”, diz o advogado.

 

Procurada, a Fazenda Nacional disse que não se manifestará, uma vez que ainda aguarda o julgamento do STF.

 

Fonte: Correio do Povo de Alagoas

One thought on “Julgamento do STF aquece venda de crédito tributário”

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