Carga tributária brasileira

 

Sabe-se que a cobrança de tributos é fundamental para a manutenção do Estado, e, consequentemente dos objetivos essenciais do país.

 

No entanto, com o objetivo de coibir possíveis abusos dos entes federativos, a Constituição Federal estipular princípios limitadores do poder de tributar.

 

Será melhor abordado neste texto o princípio do não confisco, principalmente quando falarmos especificamente sobre as multas tributárias.

 

Mas afinal, qual é a importância desse assunto? Ora, os empresários têm de lidar diariamente com as multas impostas pelo Fisco. Entretanto, algumas delas podem ser consideradas abusivas pelos contribuintes e pelos próprios tribunais!

 

Por isso a importância do princípio do não confisco, pois no art. 150, IV, da Constituição Federal de 1988 diz que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios utilizar tributo com efeito de confisco”.

 

Analisa-se a possibilidade de utilização desse postulado constitucional no tocante às multas, quando estas passam a ter caráter confiscatório.

 

No entanto, é controversa a aplicação deste princípio às multas tributárias, tendo em vista que estas não se confundem com tributo, pois conforme o artigo  do Código Tributário Nacional, sanção decorrente de ato ilícito não é tributo.

 

Todavia, ainda existem dúvidas quanto o “caráter confiscatório”. Isto porque,  ainda não existe um parâmetro definitivo que indique com consistência o que seria considerado exagero de penalidade em dinheiro por parte do Estado.

 

A dificuldade existe principalmente no caso concreto, pois deverá ser resolvida a questão baseada sempre no princípio da proporcionalidade.

 

A Constituição Federal busca sempre proteger o contribuinte, tendo em vista seu papel fundamental como maior fonte de receita do Estado.

 

Como aduz Eduardo Sabbag (2015):

 

o tributo com efeito de confisco pressupõe a tributação excessiva ou antieconômica, isto é, aquela tributação que imprime à exação conotações confiscatórias, esgotando a riqueza tributável dos contribuintes, em evidente menoscabo de sua capacidade contributiva e de seu direito de propriedade.

 

Quanto as multas, demonstraremos ao decorrer do texto a visão do Supremo Tribunal Federal no tocante ao assunto, bem como a posição majoritária da doutrina, que vêm se posicionando favorável à aplicação do princípio citado acima às multas abusivas.

 

O Instituto da multa

 

A multa não tem previsão expressa na Constituição Federal, por isso precisa da doutrina para defini-la.

 

Segundo Eduardo Sabbag (2015), a multa tem classificação própria no plano conceitual como: prestação pecuniária compulsória, que não constitua tributo, instituída em lei (art. 97VCTN); e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada (art. 142CTN).

 

Na mesma vertente, compreende Sacha Calmon:

 

multa é prestação pecuniária compulsória instituída em lei, tendo por causa a prática de um ilícito, cobrada administrativamente.

 

Portanto, a multa tributária é uma sanção que nasce em decorrência da ação ou omissão, praticada pelo contribuinte (sujeito passivo), contrariando ao que foi estabelecido em lei.

 

Vale destacar que a multa é diferente do tributo, pois este último não constitui sanção de ato ilícito (art.3, CTN).

 

Pois, como destacamos em um primeiro momento, o tributo é essencial para manutenção do Estado, sendo atividade legítima devidamente consolidada na Constituição Federal.

 

Outro ponto importante no que diz respeito às multas, é que elas podem ser classificadas em multas moratórias ou formais ou isoladas.

 

A determinação será feita de acordo com a obrigação respectiva: a multa moratória será aplicada quando houver atraso ou descumprimento da obrigação principal, já a multa formal com a inobservância da obrigação acessória.

 

Outra classificação é facilmente identificada no ordenamento jurídico brasileiro vigente, que define as multas quanto aos aspectos subjetivos e peculiares do caso concreto.

 

Podem ser divididas em: multa em decorrência do descumprimento omissivo da obrigação tributária e pelo descumprimento fraudulento da obrigação tributária.

 

Os tribunais fazem o nexo de causalidade entre a infração cometida e a proporcionalidade do valor a ser cobrado a título de sanção. Ou seja, a infração cometida pelo contribuinte gerará multa equivalente ao feito e tão somente a isto.

 

Devendo ser analisado proporcionalmente para não incorrer em multas exageradas e de caráter confiscatório.

 

Entretanto, apesar de ser devidamente entendido, na prática acontecem casos de abuso, em que multas altíssimas são instituídas, sendo atribuído caráter confiscatório à mesma.

 

O Princípio do não confisco

 

A Constituição Federal, mais precisamente no artigo 150, inciso IV, institui o princípio do Não-Confisco, onde é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios utilizar tributo com efeito de confisco.

 

Entretanto, por ser uma temática de caráter subjetivo e indeterminado, o princípio se torna um desafio para os intérpretes, principalmente, no que tange a estabilidade dos limites impostos ao anseio fiscal.

 

Por isso, o entendimento que vem se firmando determina que será confiscatório o tributo que exceder a capacidade contributiva do indivíduo.

 

Sendo assim, para um melhor entendimento, destaca-se o conceito de confisco pelo jurista Eduardo Sabbag (2005):

 

o conceito de confisco tem sido apresentado como a absorção da propriedade particular pelo Estado, sem justa indenização. No momento que isso ocorre, no plano tributário, exsurge o confisco em matéria tributária, revestindo-se da roupagem de tributo inconstitucional.

 

Por isso, quando tratamos do princípio de vedação ao confisco, chega-se à necessidade de conciliar a função inerente do Poder Público de tributar para fazer a redistribuição de riqueza e suprir suas despesas, com o respeito absoluto aos direitos dos contribuintes.

 

Além disso, manter um nível razoável da carga tributária, não invadindo o patrimônio individual do indivíduo. Resta claro o grande dilema a ser conciliado entre o Estado e a sociedade.

 

Este dispositivo constitucional, que determina a vedação ao confisco, volta-se ao legislador infraconstitucional, responsável, através de lei, em aumentar ou criar tributo.

 

O que isso significa? Pois bem, é um meio de evitar tributos com efeitos confiscatórios, ou seja, abusivos. Logo, é um princípio de suma importância para garantir os direitos dos contribuintes frente aos possíveis abusos cometidos pelo Fisco.

 

Entretanto, quando se fala em multas tributárias e seus efeitos por vezes excessivos, qual o posicionamento das Cortes Superiores?

 

Explicaremos logo abaixo.

 

Posicionamento das Cortes Superiores

 

Quando falamos em multas tributárias um ponto já em consenso, principalmente devido a leitura do referido texto: multa é sanção, portanto, difere-se do tributo.

 

Entretanto, devido ao caráter subjetivo dos princípios (já abordado em um momento anterior) é possível interpretá-lo de maneira a abarcar as multas.

 

Afinal, mesmo quando tratamos de sanção, a razoabilidade e proporcionalidade devem ser respeitadas. Portanto, é incabível a imposição de multa com caráter claramente confiscatório.

 

Sendo assim, à luz da jurisprudência, é possível observar que este princípio não é deixado de lado nas ponderações referentes às sanções

 

A exemplo do disso, tem-se o voto do Ministro Ricardo Lewandowski presente no Recurso Extraordinário 657.372/RS, o qual o próprio foi relator:

 

Como destacado na decisão ora agravada, é certo que esta Corte já fixou entendimento no sentido de que lhe é possível examinar se determinado tributo ofende, ou não, a proibição constitucional do confisco em matéria tributária, nos termos do art. 150IV, da CF, e que esse princípio deve ser observado ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento pelo contribuinte de suas obrigações tributárias…

 

Logo, a suprema corte mantém o posicionamento que no tratamento das multas, deverá haver uma proporcionalidade na cobrança.

 

Prova disso é que já é entendimento consolidado de que multas que excedam a 100% do tributo são consideradas confiscatórias RE 657.372/RS; Rel. Min. Ricardo Lewandowski:

 

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MULTA FISCAL. CARÁTER CONFISCATÓRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 150IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AGRAVO IMPROVIDO. I – Esta Corte firmou entendimento no sentido de que são confiscatórias as multas fixadas em 100% ou mais do valor do tributo devido. Precedentes. II – Agravo regimental improvido. (grifo nosso)

 

Além disso, quanto às multas moratórias (decorrentes de atraso de pagamento ou de obrigação acessória), o princípio do não confisco também é aplicável a elas, analisado sob o aspecto da razoabilidade e proporcionalidade. Neste sentido se manifestou o Supremo Tribunal Federal:

 

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. MULTA MORATÓRIA DE 30%. CARÁTER CONFISCATÓRIO RECONHECIDO. INTERPRETAÇÃO DO PRINCÍPIO DO NÃO CONFISCO À LUZ DA ESPÉCIE DE MULTA. REDUÇÃO PARA 20% NOS TERMOS DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE. 1. É possível realizar uma dosimetria do conteúdo da vedação ao confisco à luz da espécie de multa aplicada no caso concreto. 2. Considerando que as multas moratórias constituem um mero desestímulo ao adimplemento tardio da obrigação tributária, nos termos da jurisprudência da Corte, é razoável a fixação do patamar de 20% do valor da obrigação principal. 3. Agravo regimental parcialmente provido para reduzir a multa ao patamar de 20%. (AI 727872 AgR, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 28/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-091 DIVULG 15-05-2015 PUBLIC 18-05-2015) (grifo nosso)

 

Outro exemplo,

 

EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PUNIÇÃO APLICADA PELO DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. DEVER INSTRUMENTAL RELACIONADO À OPERAÇÃO INDIFERENTE AO VALOR DE DÍVIDA TRIBUTÁRIA (PUNIÇÃO INDEPENDENTE DE TRIBUTO DEVIDO). “MULTA ISOLADA”. CARÁTER CONFISCATÓRIO. PROPORCIONALIDADE. RAZOABILIDADE. QUADRO FÁTICO-JURÍDICO ESPECÍFICO. PROPOSTA PELA EXISTÊNCIA DA REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA CONSTITUCIONAL DEBATIDA. Proposta pelo reconhecimento da repercussão geral da discussão sobre o caráter confiscatório, desproporcional e irracional de multa em valor variável entre 40% e 05%, aplicada à operação que não gerou débito tributário. (RE 640452 RG, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, julgado em 06/10/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-232 DIVULG 06-12-2011 PUBLIC 07-12-2011 RT v. 101, n. 917, 2012, p. 643-651) (grifo nosso)

 

Por isso, fica claro que tantos os tributos quanto as multas não podem, tampouco devem, ter um caráter confiscatório. Destaca-se que o confisco só é permitido em situações pontuais devidamente especificadas na Constituição Federal e na Lei, como em casos de ilícitos penais, por exemplo: cultivo de plantas psicotrópicas, mercadoria contrabandeadas etc.

 

No tocante ao ICMS, o STF já se posicionou:

 

REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 714.139 SANTA CATARINA RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO. EMENTA: IMPOSTO SOBRE A CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – ENERGIA ELÉTRICA – SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÃO – SELETIVIDADE – ALÍQUOTA VARIÁVEL – ARTIGOS 150, INCISO II, E 155§ 2º, INCISO III, DA CARTA FEDERAL – ALCANCE – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia relativa à constitucionalidade de norma estadual mediante a qual foi prevista a alíquota de 25% alusiva ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços incidente no fornecimento de energia elétrica e nos serviços de telecomunicação, em patamar superior ao estabelecido para as operações em geral – 17%.

 

Conclusão

 

Diante das considerações expostas, bem como as reiteradas decisões do Supremo Federal, mesmo a multa não sendo um tributo, o princípio constitucional da vedação ao confisco deverá ser respeitado.

 

Logo, a proporcionalidade e razoabilidade é fundamental na proteção do contribuinte da oneração exacerbada.

 

Sabe-se que em tempos de crise o Estado sempre busca instituir novos meios de aumentar a arrecadação de tributos.

 

Muitas vezes desconsiderando os impactos causados por estas medidas, direta ou indiretamente, na economia.

 

Afinal, como responsável pelo pagamento, o contribuinte muitas vezes tem sua atividade empreendedora prejudicada pela alta carga tributária.

 

Sendo assim, é fundamental que medidas abusivas, como a instituição desproporcional de multa tributária, sejam combatidas e condenadas pela população.

2 thoughts on “MULTA TRIBUTÁRIA: É POSSÍVEL CONCILIAR COM O PRINCÍPIO DO NÃO CONFISCO?”

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