Atualmente, um tema que vem gerando discussão entre os empresários e a sociedade em geral é a possibilidade de responsabilização penal do contribuinte que declara o ICMS, mas não o recolhe.

 

O assunto ganhou destaque na última segunda-feira (11/03) quando o Ministro Roberto Barroso, relator do processo referente ao recurso em Habeas Corpus (RHC 163.334), convocou uma audiência pública para discutir o caso.

 

O tema, que já tinha jurisprudência recorrente, sofreu uma reviravolta no final do ano passado (2018) quando o STJ acatou a tese de que seria passível de criminalização – encaixando no crime de apropriação indébita no art. 2º-II da Lei nº 8.137/90 – declarar ICMS, mas não o recolher.

 

Entendemos que a discussão é de extrema relevância para a sociedade brasileira, pois independente da decisão final tomada pelo STF, ela irá influenciar diretamente na dinâmica, principalmente empresarial, do país.

Dessa forma, listamos as opiniões dos advogados especialistas, representantes de órgãos empresariais e da Procuradoria-Geral da República para melhor facilitar o seu entendimento.

 

O caso que deu origem a prisão por declarar e não recolher ICMS

 

Em agosto de 2018, por seis votos a três, os ministros da 3ª Seção do STJ negaram o Habeas Corpus impetrado pelos advogados de empresários que não pagaram valores declarados do tributo, depois de repassá-los aos clientes.

 

Seguindo o voto do relator, ministro Rogerio Shietti Cruz, a maioria optou por considerar a prática como apropriação indébita tributária, com pena de 6 meses a 2 anos, além de multa.

 

Vale destacar, que até aquele momento, havia divergência entre as turmas da corte, tendo em vista que os ministros da 5ª turma consideravam o ato crime, e do outro, os da 6ª turma, decidiam em sentido oposto.

 

O Habeas Corpus (HC) foi proposto ao STJ pela Defensoria Pública de Santa Catarina, depois de o Tribunal de Justiça do Estado afastar a sentença com absolvição sumária.

 

No caso em questão, o Fisco demonstrou que, apesar dos denunciados apresentarem as declarações fiscais devidas, em alguns meses de 2008 e 2009 não recolheram os valores apurados aos cofres públicos.

 

O montante referente ao valor da apuração foi inscrito na Dívida Ativa, entretanto, não foi pago e nem parcelado.

 

Os argumentos a favor da criminalização

 

A Procuradoria-Geral da República, representada por Raquel Dodge, defende que o não recolhimento aos cofres públicos – na data correta – do valor referente ao ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) pago pelo contribuinte no momento da compra configura crime tributário.

 

A tese defendida consta no memorial (clique aqui e leia o memorial na íntegra) entregue a corte e apresentado na audiência pública (11/03) realizada pelo relator o Ministro Roberto Barroso.

 

No documento apresentado por Raquel Dodge, a omissão em questão não se trata apenas de mera inadimplência, mas sim um crime. Segundo trecho retirado do documento, esta conduta:

 

“Trata-se de crime formal, de mera conduta, que se perfaz com a omissão do agente em recolher, no prazo fixado em lei, tributo que recebeu, mediante cobrança, do contribuinte de fato. O bem jurídico tutelado é o patrimônio público e o dolo é o genérico, consistente na vontade de se apoderar do valor que recebeu a título de tributo. Não se exige um especial fim de agir, muito menos que o crime tenha sido cometido valendo-se o agente de algum meio fraudulento. Basta o recebimento do valor do contribuinte de fato e o seu não recolhimento aos cofres públicos no prazo legal”.

 

Além disso, a chefe do MPF, rebate o argumento de que a criminalização da conduta dos contribuintes que se apropriam de tributos ofende aos princípios da fragmentariedade e da ofensividade.

 

Segundo a mesma, não faz sentido utilizar da ideia de que estaria fazendo uso de um tipo penal paracobrança de tributo, já que a conduta não teria sido consumada por meio de algum expediente fraudulento.

 

Da inexigibilidade de fraude

 

Outro ponto importante, é que o crime descrito no art. 2°-II da Lei de n° 8.137/90, não exige a fraude como elementar do tipo, portanto não se trata da criminalização da inadimplência fiscal.

 

“Não há punição pela mera inadimplência porque não se tem, na hipótese, simples inadimplência, mas conduta dolosa do agente que cobra do contribuinte de fato o valor do tributo, inserindo-o no preço do produto ou serviço, e se apropria do respectivo valor, sabendo que não lhe pertence, mas ao Estado. Trata-se de conduta que em vários aspectos assemelha-se ao crime de apropriação indébita. O agente apropria-se indevidamente de valor de que tem a posse”.

 

Da alegada ofensa ao bem jurídico tutelado ao declarar o ICMS recolher o valor do tributo?

 

Por fim, destaca ainda a indiscutível ofensa ao bem jurídico protegido.

 

“A tributação, longe da irrelevância que os recorrentes tentam lhe conferir, constitui elemento essencial ao Estado Democrático de Direito, tendo em vista que os recursos havidos com os tributos permitem ao Estado o alcance dos objetivos fundamentais que justificam a sua própria existência, quais sejam, o atendimento das necessidades essenciais do cidadão”.

 

Seguindo a mesma linha de pensamento, foram à tribuna no dia 11 de março de 2019 o representante do Ministério Público de Santa Catarina, Giovanni Andre Franzoni, e a subprocuradora-geral da República Cláudia Sampaio Marques.

 

Naquele momento, Giovanni Andre Franzoni citou o inciso 2 do artigo 2º da Lei 8.137/1990, que define como crime tributário “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos”.

 

Além disso, a representante da Procuradoria-Geral do Distrito Federal, Luciana Oliveira, deu destaque ao prejuízo ocasionado pelo não recolhimento do ICMS declarado causa ao país, e relembrou a ineficácia dos meios de cobrança existentes: “O que resta ao Estado se não a execução fiscal? É o meio mais falido de cobrança de imposto que eu conheço”, falou, ressaltando que, com a legislação atual, “declarar e não pagar é um baita negócio”.

 

Argumentos contrários à criminalização

 

Como é de praxe em toda discussão, argumentações contrárias surgem e elas fundamentam a base de um debate devidamente feito.

 

Seguindo esta afirmação, iremos destacar algumas opiniões contrárias a responsabilização penal do contribuinte que declara o ICMS, mas não o recolhe.

 

Nesta linha de pensamento, o professor de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da USP, Alamiro Velludo Salvador Netto, em consulta jurídica feita pela Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) fez um parecer (clique aqui e veja o parecer na íntegra) tratando exclusivamente sobre o assunto.

 

No documento, o professor afirmou que não é aceitável entender ser possível a ocorrência do crime tipificado na Lei 8.197/1990 em todas as hipóteses de não recolhimento do ICMS incidente em operações comerciais, tendo em vista que o STJ acaba criminalizando a dívida, hipótese que é vetada pelo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal.

 

“Em primeiro lugar, exclui do modelo incriminador qualquer exigência a elementos fraudulentos ou de sonegação. Na espécie, não há qualquer inexatidão do contribuinte no tocante ao registro das operações ou qualquer mácula à higidez documental dos negócios jurídicos subjacentes à obrigação tributária. Cuida-se, portanto, de uma interpretação que se satisfaz, para a ocorrência do crime, da mera omissão em recolhimento tributário, facilmente constatável e observada pelo Fisco. E segundo lugar, e se não bastasse, o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, para além de desprezar qualquer exigência de fraude para consubstanciar a ocorrência de sonegação, parte de uma leitura bastante obliqua dos fatos em termos jurídico-tributários, a justificar a incidência da norma penal sobre comportamento que não está, ao que parece, por ela abarcado.”

 

Para o professor, o crime em questão, no âmbito do ICMS, só atinge o “substituto que cobra e recebe o ICMS/ST por fora do preço, mas não o repassa ao Estado (substituição tributária para a frente)”. Ele afirma que “é atípica a conduta de omissão de recolhimento de ICMS próprio, ainda que embutido no preço”, uma vez que o adquirente não é contribuinte do imposto em questão, não existindo cobrança ou desconto de valor tributário.

 

Pagamento de preço ou de tributo?

 

Além do professor, o advogado da FIESP (Federação das Industrias do Estado de São Paulo), Alexandre Barros, afirmou que: “o consumidor paga pela mercadoria, não o tributo embutido. Como este, vários equívocos de interpretação levam a erros no conceito de apropriação indébita”.

 

Segundo ele, há uma “popularização equivocada que todos os devedores são sonegadores, e que o caso em questão não se trata de sonegação, tendo em vista que o consumidor final não paga ICMS”.

 

Além disso, disse: “Em momentos de crise, é apertar os cintos e escolher o que se paga e o que não se paga. Se o mero inadimplemento pode ser criminalizado podemos começar a ver que alguns agentes públicos também podem ser penalizados”.

 

Além dele, o membro do Conselho Superior de Assuntos Jurídicos e Legislativos da Fiesp e da Fecomércio, Kiyoshi Harada, explicou que descontar e reter é próprio do tributo em que o contribuinte arca com o ônus do encargo tributário, como é o caso do Imposto de Renda e a contribuição previdenciária, mas não do ICMS.

 

“Nestes casos, se o contribuinte deixar de repassar a contribuição recebida, pode ser que haja crime, mas, no caso em análise [que trata do ICMS], foi apenas uma mera inadimplência. Quem quer sonegar não vai informar.”

 

Por fim, o advogado Igor Mauler, da defesa, cita ainda a Súmula 430 do STJ, que dispõe que o mero inadimplemento de tributo pela sociedade não é ilícito pessoal apto a atrair a responsabilidade do administrador.

 

No documento, consta o seguinte questionamento: “Como pode ser crime o que sequer é ilícito em relação à pessoa embora o seja, é claro, para a empresa, ensejando a imposição de multa? Há aqui uma clara inversão da consagrada figura dos círculos concêntricos”.

 

Posicionamento do Ministro Roberto Barroso

 

O Ministro Roberto Barroso, na audiência pública realizada na segunda-feira (11/03/2019), apesar de não expor seu voto, deu indícios de um possível direcionamento.

 

Isso porque, segundo o ministro, apesar de não ser correto sobrecarregar o sistema penal, não agir na falta do recolhimento de tributos significaria mais prejuízos aos cofres públicos, bem como permanecer indiferente a concorrência desleal ocasionada por esta prática.

 

Segundo ele: “Acho que estaremos de acordo também que a exacerbação do direito penal talvez não seja um caminho ideal hoje, nas circunstâncias do Brasil. Por outro lado, acho que o bom negócio que muitas vezes é o não recolhimento tributário também é altamente detrimental para o país de uma maneira geral e a criação de vantagens competitivas para quem não é correto também não é uma situação desejável”.

 

Continuou: “Quando um comerciante recolhe adequadamente os seus tributos e o outro não o faz, você cria uma situação em que quem descumpre a lei tem uma vantagem competitiva sobre quem cumpre a lei. Portanto, não é ser contra ou a favor de empresários, é que muitas vezes o comportamento de um empresário prejudica o outro empresário”.

 

Reforçou ainda, que em caso de decisão desfavorável ao contribuinte, o Supremo teria que modular a forma de aplicação da regra.

 

Além disso, considerou, em decisão (clique aqui e veja a decisão na íntegra), o tema controverso dada a relevância da prática da matéria, por isso concedeu liminar de ofício para que as partes do processo não sofram nenhuma penalidade.

 

Destaca-se, por fim, a importância desse tema na dinâmica empresarial, consequentemente comercial, do país.

 

Dessa forma, resta aguardar a decisão final do STF e acompanhar todas discussões advindas deste tema.

 

E você, o que achou? Deverá o STF criminalizar o contribuinte que declarar ICMS e não recolher?

 

 

Com informações de JOTA e CONJUR.

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