Até hoje, não era crime ter dívida no Brasil. Com exceção da inadimplência por pensões alimentícias, dever qualquer quantidade a empresas, amigos ou a órgãos públicos era um ato reprovável, passível de sanções, mas não de cadeia. Por isso a sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde desta quarta-feira (18) merece mais atenção do que tem recebido.
O plenário do STF já formou maioria na semana passada, com 6 votos a 3, para determinar que devedores do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) tornam-se criminosos por não transferirem o valor destinado ao tributo aos Estados de destino.
Faltam apenas dois votos (do presidente da Casa, Dias Toffoli, e do ministro decano, Celso de Mello) para concretizar a mudança que tem impacto no código penal e pode se transformar numa dor de cabeça a mais para os devedores nacionais.
Se nada ocorrer fora do usual, como novo pedido de vista ou mudanças de posicionamento dos ministros que já votaram, caberá à Corte definir como serão as penas para os infratores/criminosos que não recolherem ICMS.
O relator do tema no STF, ministro Luis Roberto Barroso, jogou para a torcida ao defender a mudança de interpretação. Segundo ele, crimes tributários são de grande importância e impacto, porque impedem o país de “acudir as demandas da sociedade”.
Para ele, os crimes tributários privam o pais de melhorar a vida de seus cidadãos, e a falta de recolhimento intencional e reiterado do ICMS prejudica também a livre concorrência, “pois uma empresa que sistematicamente deixa de recolher o tributo se coloca em vantagem competitiva em relação à que cumpre suas obrigações”.
Os seis ministros que votaram pela criminalização da dívida levaram em conta uma especificidade do ICMS que outros impostos não têm. Quando um empresário não paga o tributo ele estaria, de acordo com Barroso e mais cinco integrantes do STF, apropriando-se de dinheiro que o consumidor já depositou, afinal o imposto está embutido nos preços de mercadorias e serviços.
O ato foi comparado por algums ministros à apropriação indébita, este sim, previsto no código penal (art.168), que representa a posse de um bem alheio, sem consentimento do proprietário.
Além de Barroso, votaram pela criminalização Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux, Rosa Weber e Cármen Lúcia. O ministro Gilmar Mendes foi contrário a essa interpretação, assim como Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello.
Para Gilmar Mendes, não faz sentido a pena de perda da liberdade, por exemplo. “Sem fraude, simulação, sonegação ou omissão, que a Fazenda use os meios comuns de cobrança: aplicação de multa, execução fiscal e penhora de bens”, defendeu.
De acordo com informações enviadas ao STF pelo Comitê Nacional de Secretários de Fazenda (Consefaz), todos os estados têm devedores que não repassam o ICMS rotineiramente.
Em nota, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) afirmou que criminalizar a dívida de ICMS é um erro porque, segundo a entidade, não se pode falar em apropriação indébita.